A Medicina Antroposófica (MA) surgiu na Europa Central nas primeiras décadas do século XX como um sistema médico complexo de abordagem sistêmica e integrativa através da parceria do filósofo Rudolf Steiner (1861-1925), criador da Antroposofia (“anthropos”- ser humano; “sofia”- sabedoria, conhecimento), com a médica holandesa Ita Wegman (1876 – 1943).
Os estudos científicos de Wolfgang von Goethe (1749-1832), reconhecido como precursor de uma metodologia científica de caráter fenomenológico, influenciaram profundamente Rudolf Steiner, com sua observação cuidadosa dos fenômenos da natureza e busca pela existência de arquétipos (essência primordial). Os trabalhos de Goethe nas áreas da mineralogia, botânica, zoologia, morfologia e física, integrando ciência e arte, irrigaram com poesia, exatidão, abrangência, estética e sentimento a fria e seca ciência quantitativa do século XVIII que evoluiu para a matematização e redução da importância da rica experiência dos profissionais de saúde. A enorme valorização moderna da tecnologia e da quantificação dos parâmetros da saúde levou a um empobrecimento do encontro do profissional de saúde e paciente. Portanto a MA valoriza enormemente a escuta qualificada e a empatia clínica valorizando a moderna mudança de paradigma na ciência, na direção de uma ciência quanti-qualitativa que considera cada paciente uma singularidade.
Com isso podemos desenvolver o ‘olho clínico’.
A MA desenvolve uma abordagem unificada da fisiologia, fisiopatologia e terapêutica baseado na ideia de sistemas e organizações com auxilio desta metodologia científica de Goethe. Este recurso se aplica tanto ao estudo de pacientes, suas patologias, com uma visão que enxerga o ser humano inserido concentricamente em sua família, comunidade, país e conectado a natureza mineral, vegetal e animal, fonte dos recursos terapêuticos.
A MA com sua concepção de um ser humano em constante evolução biográfica em seus ciclos de vida, amplia a visão da medicina acadêmica de forma complementar, enriquecendo a atuação dos profissionais da saúde em todas as fases da vida, desde a pediatria até a geriatria incluindo todos os recursos clínico-cirúrgicos e laboratoriais da medicina convencional (Biomedicina).
Segundo a Antroposofia, possuímos três dimensões: orgânica, psíquica e noética (dimensão espiritual humana, Self) em desenvolvimento noopsicossomático ao longo da vida.
Nossa dimensão orgânica, corporal compreende uma morfologia e fisiologia ordenadas por quatro campos morfogenéticos (organização de campo de forças) que se desenvolveram em nosso planeta organizando a estruturação dos minerais, das plantas, dos animais e dos hominídeos.
Portanto como Homo sapiens possuímos quatro naturezas em intima correlação. A natureza mineral é muito visível em nossos ossos que são constituídos basicamente de calcário; a natureza vegetativa está repleta de vitalidade movimentando fluidos, capacidade de crescimento e regeneração muito visível no comportamento de nosso fígado e músculos, e que amplifica sua atividade durante nosso período de sono. Possuímos ainda uma natureza animal organizada pelo nosso sistema nervoso e endócrino que se manifesta em nosso tônus muscular, em nossos movimentos, em íntima conexão com nosso animo e estado desperto. E por fim ainda possuímos uma dimensão essencialmente humana, como um fogo individual, que se relaciona diretamente ao nosso sistema imunológico que tem o papel de distinguir nossa identidade Self do não-Self (vírus, bactérias, poeiras, células de câncer, por exemplo).
Assim tanto nosso corpo como um todo, como nossa psique como cada órgão e sistema isoladamente sofrem ação destes quatro domínios. Para que possamos desenvolver estas quatro naturezas, necessitamos de quatro partos: o tradicional, aos 7 anos, na puberdade e ao redor dos 21 anos.
Na Maternidade ou em casa acontece o Parto Físico (Parto Mineral), quando a criança se separa fisicamente da mãe.
Ao final da primeira infância, quando termina um ciclo de sete anos (setênio) ocorre a troca dos dentes, o fim da mielinização (bainha de gordura termina de envolver os neurônios), o fim da produção de células de gordura e os pulmões amadurecem. A esta passagem para a segunda infância, quando a criança passa de um nível de consciência de fantasia para um mais racional, com muito maior consciência do mundo e muitas perguntas que surgem, chamamos de segundo Parto ou Parto da Vitalidade ou Parto Vegetativo.
O terceiro parto é bem visível, pois aquela criança começa a transformar seu corpo dos 10 aos 14 anos, surge uma intensa vida animal quando nascem pêlos, mudam de comportamento para uma vida solitária ou em bandos e aumenta muito a consciência dos sentimentos próprios. Nasce um grito primal: Uhuuu !!! Chamamos este processo de Parto Anímico ou Animal durante a puberdade.
O quarto e último parto acontecem por volta dos 21 anos e se chama maioridade ou Parto do Eu ou Parto Humano, quando surgem perguntas de identidade como Quem eu sou? O que eu quero da vida? Qual o sentido da vida?
A psique compreende a organização das vontades, sentimentos e pensamentos em interação psicossomática tanto com nosso cérebro como com o nosso corpo como um todo. Nossa capacidade de pensar está mais relacionada à cabeça (e ao nosso córtex cerebral primata e humano), nossa capacidade de afeto, sentimento está mais relacionada ao nosso tórax (e ao nosso cérebro límbico chamado cérebro mamífero) e nossa força de vontade ao nosso abdome e membros (e cérebro mais primitivo chamado cérebro reptiliano). Interessante notar que recentemente foi descoberto que a região intestinal e hepática concentra a maior quantidade de serotonina, portanto hoje em dia podemos dizer que depressão (falta de vontade) é um problema mais visceral do que cerebral. Apenas a área pré-frontal de nosso cérebro surgiu conosco e nos diferencia dos grandes primatas. Esta área é ativada em momentos de meditação.
Já a dimensão noética do nosso Self (nossa individualidade de natureza espiritual) permite uma adequada capacidade de enfrentamento, resiliência e busca de sentido na vida, fundamentais para a promoção e desenvolvimento do estado de saúde.
Estes três domínios se desenvolvem ao longo da biografia, de tal forma que até os 21 anos, temos o maior desenvolvimento corporal, dos 21 aos 42 anos o maior desenvolvimento é psíquico e dos 42 em diante, o maior desenvolvimento é noético-espiritual. Enquanto no primeiro ciclo ate a maioridade percebemos o desenvolvimento orgânico, o terceiro ciclo apos os 42 anos apresenta uma queda das funções e degeneração anatômica dos tecidos sincrônica a um aumento do desenvolvimento interior e da consciência.
Outro olhar antroposófico integrando corpo e mente verifica nossa estruturação corporal a partir de três origens embrionárias criando três sistemas completamente diferentes em intima interação morfofuncionais. O SISTEMA NEURO-SENSORIAL (SNS) associado ao ectoderma, que nos coloca num plano de simetria direito-esquerda com centro em nossa cabeça, ligado aos nossos pensamentos; o SISTEMA RÍTMICO (SR) associado ao mesoderma que nos coloca num plano de simetria acima/abaixo com centro no tórax, sede dos sentimentos; e o SISTEMA METABÓLICO – MOTOR (SMM) associado ao endoderma com o plano corporal frente/trás, na região sede da nossa força de vontade abdominal.
O SNS está mais vinculado aos músculos estriados esqueléticos (voluntários), ao sistema nervoso autônomo simpático (stress), órgãos dos sentidos, sistema arterial. Possui como características a mineralização periférica nos ossos (crânio), baixa capacidade regenerativa, tendência à imobilidade, permite sensação, percepção e consciência, de ação ordenadora e promotora de processos patológicos crônicos e frios.
O SMM está mais vinculado à musculatura lisa (involuntária), ao aparelho digestório e seus anexos, ao sistema nervoso autônomo parassimpático (funcionamento inconsciente das vísceras) e ao sistema venoso. Possui as seguintes características: centro caudal, mineralização central nos ossos longos (membros), assimetria e forma espiral (abdome), enorme capacidade regenerativa, não permite sensação, percepção e consciência, com ação anabolizante, geradora do calor corporal (no fígado e músculos) e associada aos processos inflamatórios agudos e febris.
O SR está mais vinculado ao tórax e mamas, a musculatura mista cardíaca e ao aparelho cardiorrespiratório. Seu papel é conciliador, harmonizador, curador e integrador.
O SNS está associado à geração dos processos crônico-degenerativos, em geral associado a um processo inflamatório crônico que evolui para esclerose. Fica mais ativo após os 42 anos de idade. O Sistema Metabólico-Motor (SMM) está envolvido na gênese da inflamação aguda e predomina sua atividade até os 21 anos. O Sistema Rítmico (SR), que predomina sua ação harmoniosa entre os 21 e 42 anos de idade é promotor de homeostase e saúde.
Com isso A MA considera que o ser humano possui uma natureza que transcende a dimensão físico-química, biológica e psicossocial, adicionando a estas bases as dimensões da vitalidade e de individualidade ou Self, tão essenciais para a construção da saúde.
Sistema Terapêutico
A terapêutica oferecida pela Medicina Antroposófica, coerente com a visão tríplice do ser humano, deve abranger a individualidade, a psique e o corpo e; para isso se faz necessário um trabalho conjunto de uma equipe multiprofissional com formação complementar pela Antroposofia, geralmente coordenada pelo médico. Importante ressaltar que toda abordagem não é alternativa e sim integrativa em relação ao sistema terapêutico convencional.
Embora todos os profissionais atuem no ser humano como um todo, cada profissão tem uma porta de entrada diferente. O ‘grupo Corpo’ é constituído pelos médicos que prescrevem os medicamentos da farmácia Antroposófica (Weleda, Sirimim, Wala, Fitoterápicos e alopáticos). A Enfermagem e a Fisioterapia atuam especialmente através das Terapias Externas (escalda-pés, enfaixamentos, compressas e banhos medicinais) e Massagem Rítmica. Ainda no caminho do corpo temos a Nutrição, a Odontologia, a Fonoaudiologia que atua especialmente com a Reorganização Neurofuncional (método Padovan). Ainda existem terapias antroposóficas específicas como a Euritmia Curativa e a Quirofonética. O ‘grupo Psique’ reúne a Psicoterapia antroposófica e a Terapia Artística. A arte, desde a escultura em pedra até o canto, atinge diretamente, embora em níveis diferentes, a alma humana. O ‘grupo Existencial’ (que atua através da autoconsciência) é formado pelo Aconselhamento Biográfico, praticado basicamente por médicos e psicólogos e também por todos profissionais de saúde que trabalhem com o sentido da doença na biografia individual.
SITUAÇÃO LEGAL E NA SAÚDE PUBLICA
A Federação Internacional das Associações Médicas Antroposóficas agrupa 30 associações nacionais e estima-se que os medicamentos antroposóficos são prescritos por mais de 30.000 médicos em 65 países de todo mundo. A Medicina Antroposófica (MA) está presente no Sistema de Saúde Pública na Alemanha, Suíça, Itália, Holanda, Brasil, Suécia, Áustria, Reino Unido e Estados Unidos, Dinamarca e Finlândia e oferece um amplo campo de atuação nos três níveis de complexidade, ou seja, tanto atenção primária, secundária como terciária, gerando bons índices de resolutividade e ótima segurança baseados em evidência. http://www.gahmj.com/doi/pdf/10.7453/gahmj.2012.087
No Brasil a Medicina Antroposófica foi introduzida na década de 1950, foi reconhecida como prática médica em 1993 (Parecer 21/93 do CFM) e desde 2006 integra a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Ministério da Saúde que tem denominado este conjunto de ações lideradas como Antroposofia aplicada á Saúde.
A medicina antroposófica brasileira, em plena expansão, tem seu exercício organizado pela Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA) -www.abmanacional.com.br, e possui oito regionais nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Sergipe, Pernambuco, Distrito Federal e Recife.
As orientações farmacológicas incluem além da farmacopéia sintética alopática, outras duas farmacopéias: dinamizada antroposófica e fitoterápica. Oficialmente a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) reconhece os medicamentos antroposóficos na categoria de medicamentos dinamizados (RDC 26, de 30/3/2007, RDC 67, de 08/10/2007 e RDC 87, de 21/11/2008).
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